sexta-feira, 18 de maio de 2007

A Ilha do tesouro

A ILHA DO TESOURO
Em certo dia do ano de mil setecentos e tantos, um velho marinheiro moreno, com uma cicatriz no rosto, bateu com o seu bordão ferrado à porta da estalagem "Almirante Benbow".
Disse rudemente ao estalajadeiro, meu pai, que lhe trouxesse um copo de rum, pediu notícias da freguesia, mandou em seguida o empregado levar-lhe a bagagem e atirou sobre a mesa três ou quatro moedas de ouro.
Durante os dias seguintes, o Capitão - assim queria o estranho hóspede que lhe chamassem - outra coisa não fez senão vagar ao longo do baía e sobre os rochedos, munido de um óculo. Ríspido, zangado, esbravejando ,o dia todo, não respondia ao que lhe perguntavam; mas, após algum tempo, me chamou à parte poro dizer-me que observasse todos os fregueses e o avisasse da chegada de um marinheiro perneta.
Nos tardes chuvosas, segurando uma grande garrafa de rum, contava horríveis histórias de naufrágios, enforcamentos e torturas. Eu, minha mãe, meu pai e uns poucos fregueses o escutávamos apavorados.
Não tardou a tornar-se insuportável. Bebia, embriagava-se e obrigava-nos a escutá-lo e aplaudi-lo. Só urna vez teve de calar-se, diante do atitude do Dr. Livesey, nosso amigo, que resistiu impassível a uma ameaço de agressão por parte do terrível Capitão.
Pouco tempo depois desta cena com, o médico, aconteceu-me outra coisa estranha. Em certa manhã de janeiro me vi diante de um homem sem dois,.' dedos da mão esquerda e com um facão no cinto, que me mandou trazer-lhe. rum e começou a fazer-me perguntas a respeito de certo Bill, um marinheiro seu amigo. As minhas respostas vagos, todas monossilábicas, retrucou que seu amigo Bill devia ser o próprio Capitão e, pegando-me de repente por um braço, perguntou-me onde estava ele nesse momento e a que hora voltaria.
Ficamos a esperá-lo, ele e eu, na sala do estalagem durante cerca de meia hora.
Afinal o Capitão regressou e, quando ouviu aquela estranha personagem chamá-lo pelo nome, exclamou furiosamente: "Cão Negro!" Os dois homens trocaram algumas palavras em voz alta e mandaram-me embora.
Deixei-os sós, mas pouco depois ouvi um barulho de móveis caindo, um tinir de lâminas metálicas, um grito de dor, e vi o "0 Negro" fugindo corno um doido, seguido do Capitão. Junto da porta, este desferiu um terrível golpe de facão, que não alcançou o alvo, e o "Cão Negro" embora ferido no ombro, ainda teve tempo de escapar.
Terminado o combate, o Capitão mandou-me trazer-lhe rum, mas não pôde bebê-lo, porque, sem forças, caiu por terra.
0 Dr. Livesey, chamado incontinenti, examinou demoradamente o enfermo e, antes de o deixar, recomendou-lhe com grande encarecimento que não tomasse bebidas alcoólicas.
As suas ordens não foram cumpridas. 0 Capitão tanto me suplicou que, compadecido, resolvi levar-lhe uma garrafa de rum. Esvaziou-a em dois tempos e, em vez de agradecer-me, perguntou-me se tornara a ver o "Cão Negro" e pediu-me que levasse pessoalmente ao Dr. Livesey o baú que estava no seu quarto, para que a "mancha negra" não pudesse reavê-lo.
A minha pergunto sobre o que significava "mancha negra", o Capitão respondeu evasivamente e eu fiquei meio confuso.
Nos dias que se sucederam, o Capitão andou pela estalagem, atemorizado e cambaleante de fraqueza, como uma cima penada. Não respondia às perguntas que lhe faziam e de vez em quando olhava em volta, desconfiado.
Assim se passou uma semana. Por volta das três horas de uma tarde fria e nevoenta, um mendigo, cego, curvado pelos anos e coberto por um enorme capote, parou diante da tabuleta da hospedaria. Pediu em voz alta que lhe servissem de guia. Ofereci-lhe a mão: o misterioso velho apertou-a com força e, em voz terrível, ordenou-me que o levasse imediatamente à presença do Capitão.
Acompanhei-o. Vendo o cego, o Capitão ficou assombrado e procurou fugir; mas o mendigo ordenou-lhe que ficasse quieto; pôs-lhe então na palma do mão qualquer coisa que não consegui ver o que era e saiu da sola com incrível agilidade.
Refeito da surpresa, o Capitão me disse que ainda lhe restavam seis horas e meia para conseguir o que queria e encaminhou-se para a porta. Não, chegou a alcançá-la. Levando uma dos mãos à garganta, cambaleou e, com um estertor abafado, caiu ao chão.
O Capitão morrera de um derrame cerebral.
Logo após a sua morte, contei a minha mãe tudo quanto sabia. Resolvemos então, de comum acordo, apanhar o célebre baú e levá-lo sem demora à casa do Dr. Livesey.
Mas, antes disso, passamos pela cosa de uns amigos nossos e muni-me de uma pistola. Voltamos à nossa estalagem, onde encontramos o cadáver do pobre Capitão tal como o deixáramos. Ajoelhei-me junto do morto e, vencendo a minha repugnância, tirei-lhe do pescoço uma pequeno e fina chave. Saímos então do quarto e minha mãe pôde facilmente abrir o baú.

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